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Implicações da nova Lei de Abuso de Autoridade são debatidas em seminário promovido pela ACMP e pelo MPSC

14/11/2019

As principais consequências e implicações da aprovação da Lei 13.869/2019 – que define novos tipos penais para os crimes de abuso de autoridade – na atuação de Promotores de Justiça, Juízes e Policiais foram discutidas na última sexta-feira (8/11) no Seminário "Nova Lei de Abuso de Autoridade". O evento foi promovido pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e pela Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP) com apoio do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) e da Escola do Ministério Público.

Foram convidados para expor suas interpretações sobre o tema os promotores de Justiça Rodrigo Cabral, do Ministério Público do Paraná, e Rogério Sanches Cunha, do Ministério Público de São Paulo.

O Promotor paranaense abriu a noite falando sobre "As limitações legais a responsabilização penal por abuso de autoridade", em mesa mediada pelo Promotor de Justiça catarinense Jádel da Silva Júnior, Coordenador do CCR do MPSC.

Rodrigo Cabral iniciou sua exposição reconhecendo que a atualização da antiga Lei de Abuso de Autoridade era imprescindível, sendo inclusive um pedido de membros do Ministério Público, juízes e policiais. Entretanto, para o Promotor, a aprovação da Lei 13.869/2019 veio com um objetivo claro de retaliação aos atores da justiça criminal. “Estamos pagando um preço alto por fazer o que deveria ser feito, por cumprir nosso dever.”

Nesse cenário, o palestrante se propôs a apresentar uma visão mais otimista da legislação, identificando as limitações das possibilidades de incriminação que ela traz. Para Cabral, a Lei apresenta já nos dois primeiros parágrafos do seu Art. 1º duas importantes barreiras à persecução penal por supostos atos de abuso de autoridade: a primeira relacionada ao elemento subjetivo diverso do dolo e a segunda ao dispositivo de determinação de imputação objetiva. Realizando um comparativo com doutrinas internacionais como a alemã e a espanhola, o Promotor de Justiça discorreu sobre essas limitações, suas fragilidades e possibilidades de interpretação e aplicação, passando por conceitos como a independência judicial e funcional.

Cabral expôs, ainda, sua preocupação com o uso de expressões vagas como "justa causa", que dão margem a interpretações amplas, ameaçando a atuação dos agentes responsáveis pelo combate ao crime. “Ultimamente tem havido um esforço muito grande para evitar omissão no âmbito do MP, do judiciário e das polícias. E a Lei de abuso de autoridade joga um balde de água fria em todos esses esforços. Ela passa uma mensagem muito triste e negativa, que de não vale a pena investigar crimes de colarinho branco ou casos penais complexos”.

Apesar das dificuldades apresentadas, o Promotor de Justiça encerrou sua participação no Seminário com um apelo aos presentes: é preciso manter-se firme em sua atuação. “É fundamental que cada um de nós saiba para quem estamos trabalhando, sem esquecermos o compromisso que assumimos. Nosso compromisso é com as vítimas do delito, com aquelas pessoas que tiveram seus direitos violados e que precisam de nós. É fundamental que a gente pague esse preço para demonstrar que atitudes e tentativas de intimidação como essa não funcionarão e não têm funcionado. Somos agentes do Estado e estamos aqui para transformar a sociedade e, com Lei de Abuso de Autoridade ou não, esse é o nosso compromisso com a nossa pátria”.

Após a exposição de Cabral, o evento teve continuidade com a palestra do Promotor de Justiça do MPSP, Rogério Sanches. A mediação foi feita pelo presidente da ACMP, Marcelo Gomes Silva, que, na abertura da mesa, apresentou um breve histórico sobre a tramitação do projeto, destacando sua aprovação em regime de urgência e a mobilização das associações de classe em prol dos vetos presidenciais dos dispositivos mais problemáticos da Lei. “Nossa preocupação não é a ausência de uma legislação que coíba os excessos, afinal nós já temos uma série de legislações e órgãos que fazem isso. Mas queremos saber, pelo menos, se estamos ou não cometendo um crime de abuso de autoridade, é isso é o que preocupa mais os agentes públicos. Esse evento é importante por trazer essa reflexão, pois é preciso sempre alertar a comunidade jurídica e a sociedade em geral dos riscos que essa legislação traz àqueles que efetivamente combatem a corrupção.”

Contradições e jurisprudência

Autor do livro "Abuso de Autoridade - Lei 13.869/2019", no qual cada artigo foi objeto de uma análise individual, com comentários e citações doutrinárias pertinentes à matéria, o Promotor de Justiça Rogério Sanches apresentou em sua palestra uma análise minuciosa da nova lei.

O Promotor iniciou sua participação destacando que, apesar de reconhecer o ambiente de revanchismo em que a nova legislação foi aprovada, é indiscutível que a lei atual carecia de atualização. Sanches defende que a Lei 4.898/1965 está repleta de tipos penais vagos, genéricos e indefinidos, podendo ser considerada até pior em relação à que entrará em vigor no início de janeiro de 2020. Em sua interpretação, a nova lei possui tipos que devem ser declarados inconstitucionais, mas não deve ser rechaçada em sua totalidade.

Pontuando os principais aspectos da Lei 13.869/2019, o Promotor paulista discorreu diante de uma plateia atenta sobre algumas das divergências que podem afetar o trabalho dos agentes públicos. Entre as contradições apontadas, estão dispositivos que entram em conflito com a Lei de Tortura, por exemplo, aplicando punições mais leves para crimes previstos na referida legislação.

A problemática dos termos vagos também foi destaque de sua apresentação. Expressões utilizadas no texto como “prazo razoável”, “imediatamente” e “repouso noturno” podem levar a divergências de interpretação, dificultando a atuação a causando insegurança a Promotores, Juízes e Delegados. Para Sanches, muitas destas interpretações ficarão a cargo da jurisprudência.

Mesmo com tais problemáticas, para o Promotor de Justiça é preocupante que membros do Ministério Público abram mão de suas prerrogativas por medo. “É em momentos como este que eu amo ser Promotor de Justiça. No momento em que políticos querem diminuir nosso poder porque com ele nós estamos transformando a sociedade e fazendo bem o nosso trabalho. Não posso ter medo de uma lei como essa porque quem perde com esse medo não somos nós, é o cidadão, que conta com o Ministério Público para ajudá-lo.”

O evento, realizado no Auditório Luiz Carlos Schmidt de Carvalho (antiga Sede da PGJ), contou com a participação de Promotores de Procuradores de Justiça, Juízes, Delegados, Policiais, servidores do MPSC e alunos da Escola do MP. Após as palestras foi realizado o lançamento do livro Abuso de Autoridade - Lei 13.869/2019 com sessão de autógrafos.

Sobre os palestrantes

Rodrigo Cabral é doutor em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidad Pablo de Olavide/Espanha (2016). Mestre em Criminología y Ciencias Forenses pela mesma Instituição (2011). Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2003). É Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná desde 2004. Foi Membro Auxiliar da Corregedoria Nacional do Ministério Público entre 2014 a 2017. Exerce suas funções junto ao setor de recursos criminais do MPPR. É professor substituto de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná e professor da Fundação Escola do MPPR e da Pós-Graduação em Compliance e Direito Anti-Corrupção do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS).

Rogério Sanches Cunha é Promotor de Justiça no Ministério Público de São Paulo e atualmente assessora o Procurador-Geral de Justiça. É professor da Escola Superior do MP de São Paulo e do Mato Grosso e professor de Direito Penal e Coordenador Científico do CERS. Fundador do site “MeuSiteJurídico.com” e autor de diversas obras jurídicas.

Fotos: Bianor Rosa - COMSO/MPSC

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Assessoria de Imprensa ACMP

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